O tempo passa. Como o tempo passa. Ainda bem. Em 2009, coloquei aqui o meu último post. Depois, e devido a imensos fatores deixei-me disto e, na verdade, nunca mais tive qualquer interesse nos blogs e em tudo o que lhes está associado. Talvez esse desinteresse tenha tido origem no que está retratado no post anterior a este... nunca mais tive mais tempo para nada e as noites tornaram-se demasiado curtas, outras vezes compridas, mas certamente ritmadas pelas exigências e caprichos da nossa primeira convidada, pois já veio outra depois. Ou talvez tenha sido tomado pela voragem planetária e vazia do fenómeno do facebook, onde tudo tem de caber num mundo de 60 carateres ou, no máximo dos máximos, 65, acompanhado do maior número de fotos preferencialmente e aparentemente de pessoas felizes ou cartazes e ditos provavelmente muito eloquentes. Acho que uma das razões para o reencontro com esta esfera digital ou virtual foi o querer poder escrever mais do que 60 carateres sem o receio de estar a ser maçador, porque sei que ninguém vai ler isto e, se alguém acabar por ler, fica desde já a saber que já não escrevia nada há seis anos e, por isso, fiquei com imensa vontade de escrever.
Há uma luz de esperança: pode ser que isto só me afete nos primeiros posts ou volte a passar seis anos sem dizer "pêva". Pode ser.
quarta-feira, julho 15, 2015
sexta-feira, janeiro 16, 2009
sábado, janeiro 14, 2006
TP 176

a lareira crispa lentamente bocados de lenha que eu incendiei, porque senti nos ossos que uma noite chuvosa se aproximava. enquanto ouço o som cadenciado das chamas que me aquecem ao de leve a face, lembro-me do que a tua presença era para mim. a tua face arredondada, marcada por dois olhos negros e vivos que nunca paravam, traziam me à ideia um mundo onde as pessoas estavam viradas para esse mundo e dele tudo queriam receber. apetecia-me sempre ser assim.
conversámos, pela ultima vez, antes do embarque para o voo tp 176, com destino a caracas, se bem que, lembro-me agora, gostava que o destino fosse karachi, noutra parte do mundo, por me parecer muito mais misteriosa ou simplesmente distante. mas quem ia viajar eras tu... falavas calmamente, como se as palavras desde sempre lá tivessem estado, não na tua cabeça, ou na tua garganta, mas naquele sítio, naquele aeroporto e naquele dia. era esse o teu poder: o de agarrares as palavras do momento e do local como se fossem uma mera manifestação da sua alma, onde tu te integravas completamente. afinal tudo tem uma alma.
nunca me disseste o que ias lá fazer, não eras homem de negócios, não tinhas lá família e que eu saiba nunca gostaste do climas tropicais, pelo seu excesso de humidade e temperamento. mas também não te perguntei. a nossa amizade existiu da mesma forma como começou: numa barraca de cerveja numa festa aparentemente religiosa, mas para nós profundamente pagã, onde eu servia ao balcão e tu apareceste com uma sede para além da mera garganta seca. a conversa obrigou-me a passar para o outro lado do balcão e desde aí nunca mais acabou. a tua vida foi diferente da minha, cada um seguiu aquilo que pôde ou que quis, sem alterar o que já tinha começado.
agora, não sirvo em barracas estudantis onde quase exclusivamente se vende cerveja, agora, um check in parece-me algo profundamente demorado e aborrecido, agora, a vida tem para mim outros padrões que, com certeza, foram sendo redesenhados pelo aproximar de outra idade. mas ficou esse gosto de ler até os olhos rasparem nas pálpebras de tão secos e cegos que estão e todas as vezes que acabo um livro apetece-me falar te desta ou daquela personagem que fez feitos tão épicos como nunca antes tinha lido, ou viveu sentimentos tão arrepiantes que nem encontro palavras para bem os descrever, ou o narrador que tem uma arte tal para contar a sua história que me transportou de novo ao tempo onde os relatos das histórias eram familiarmente importantes. enfim, meu amigo, já li mesmo alguns livros e nunca mais te disse nada.
encontro-me fora, num país e numa cidade que em muitos livros já apareceu e até tu já aqui estiveste e, quer queiramos, quer não, neste momento, aqui continuas a encontrar-te, porque estou a falar contigo e de nós.
sei também que desde essa tua viagem, muitas outras fizeste e ainda não regressaste a casa, mas é bom saber que tens casa para voltar, pois é aí que nos está a alma. eu tenho dado descanso à minha, ainda que também já tenha a minha parte nesse tipo de viagens, agora faço outro tipo de viagens, ainda que não mais reconfortantes.
soube que provavelmente não voltaremos a falar. mas quero que saibas que haverá sempre uma lareira numa noite de inverno para acabar ou começar mais um livro, mais um motivo para nos reencontrarmos, seja lá isso o que for, pois estamos num tempo em que isso já não é o mesmo.
tenho comigo uma Duas Quintas e, tal como combinámos, vou brindar a ti, companheiro. até um dia, R.
quarta-feira, julho 13, 2005
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longe vai o tempo dos jasmins
do oiro na tua cara rosa
do orvalho finíssimo
seria o mundo todo nosso
num pecado inconcebível para os outros
seria o fausto amor realidade
nunca antes vista ou imaginada
sou folha pisada
rosa sem pétalas
sedento desse orvalho ido
vejo-me puro, céptico
daquilo que foi
nada é em mim.
do oiro na tua cara rosa
do orvalho finíssimo
seria o mundo todo nosso
num pecado inconcebível para os outros
seria o fausto amor realidade
nunca antes vista ou imaginada
sou folha pisada
rosa sem pétalas
sedento desse orvalho ido
vejo-me puro, céptico
daquilo que foi
nada é em mim.
ser pássaro em tempo de chuva
voar como se o céu fosse apoio
deslizar em aspirações eternas
ver como o mundo desbarata
a alma
viro-me para ti
tento chegar-te cada vez
mais longe de mim
este abismo, não da massa
mas da vida,
que a abate como um pássaro
em tempo de chuva.
deslizar em aspirações eternas
ver como o mundo desbarata
a alma
viro-me para ti
tento chegar-te cada vez
mais longe de mim
este abismo, não da massa
mas da vida,
que a abate como um pássaro
em tempo de chuva.
Homenagem a um tempo
sempre pensei que o tempo dos jasmins fosse eterno. na verdade, sempre senti o tempo como uma brisa cheia de murmúrios alegres e de vozes familiares. no fundo, era o tempo sem tempo em si.
não consigo entender porque tudo teve de mudar. os jasmins descoloriram e deixaram de ser, enquanto o tempo descascava as minhas pétalas favoritas e me enrijecia os ossos, como se fosse uma parede de um pesadelo ancestral, único e omnipresente.
o grito não me liberta e a mente não consegue encontrar a fórmula antiquíssima que libertou todos aqueles que, como eu, viram a vida dos dois lados. estivesse eu ou ela apagada como a noite ou como os fundos dos oceanos, onde a paz é tangível, ainda que inatingível.
sei que vou até aos limites do meu ser e sei que sempre confiarei em mim, só o posso fazer quando tudo o resto parece perecível nesse moinho de angústias e desesperos mudos em que a vida se tornou. já nada voltará, pois a essência das coisas e dos seres está identificada, acabando sempre por se manifestar nos mais disparatados pormenores ou facetas que a tornam tão ridícula... essa essência.
apetecia-me, e de certeza que desejo, tanto encontrar essa fórmula, essa magia de alma que me leve para um sítio onde os jasmins continuem a brilhar mais que a própria beleza, onde o vento e o tempo sejam um momento dessa paz profunda que apenas existe aí.
entretanto, a parede vai-me fazendo estalar os ossos...
não consigo entender porque tudo teve de mudar. os jasmins descoloriram e deixaram de ser, enquanto o tempo descascava as minhas pétalas favoritas e me enrijecia os ossos, como se fosse uma parede de um pesadelo ancestral, único e omnipresente.
o grito não me liberta e a mente não consegue encontrar a fórmula antiquíssima que libertou todos aqueles que, como eu, viram a vida dos dois lados. estivesse eu ou ela apagada como a noite ou como os fundos dos oceanos, onde a paz é tangível, ainda que inatingível.
sei que vou até aos limites do meu ser e sei que sempre confiarei em mim, só o posso fazer quando tudo o resto parece perecível nesse moinho de angústias e desesperos mudos em que a vida se tornou. já nada voltará, pois a essência das coisas e dos seres está identificada, acabando sempre por se manifestar nos mais disparatados pormenores ou facetas que a tornam tão ridícula... essa essência.
apetecia-me, e de certeza que desejo, tanto encontrar essa fórmula, essa magia de alma que me leve para um sítio onde os jasmins continuem a brilhar mais que a própria beleza, onde o vento e o tempo sejam um momento dessa paz profunda que apenas existe aí.
entretanto, a parede vai-me fazendo estalar os ossos...
sexta-feira, julho 08, 2005
londres, 08 de Julho de 2005

enquanto espero por uma actividade que ainda tenho de fazer, penso no que de mais importante aconteceu. não consigo evitar pensar em Londres. nas pessoas que não conheço, mas a quem gostaria de, alguma forma poder ajudar, confortar... sei que neste momento deve haver pessoas ainda aflitas porque o seu irmão, marido, tia, sobrinha, afilhada ou outra coisa qualquer saiu por aquela porta e, desde ontem, ainda não voltou a entrar; outras pessoas ainda choram apesar da garganta e dos olhos secos, do vazio de uma vida até aqui, pelo menos, mais cheia; outras pessoas sofrem o reviver do pânico, dos estrondos, dos estilhaços que não deixam dormir nem estar completamente acordadas... tenho vontade de ajudar. que mais não seja, aqui fica, neste espaço perdido da internet - que ninguém lê ou vai ler -, a minha homenagem, a minha solidariedade. é um pouco da minha humanidade.
não queria perder a oportunidade de reafirmá-la neste mundo cada vez mais de papelão ou falso, onde nada parece nem é. as notícias atrozes são, noutros locais, neste preciso momento, negócio, lucro para alguns, motivo de orgulho para outros, oportunidades que não se devem desperdiçar... deviamos, todos, parar!!! parar mesmo e chorar os mortos, confortar os feridos, pensar ou reflectir no que aconteceu e nos trouxe até aqui. mas parar é um luxo a que não nos podemos dar, decerto, até neste local e neste preciso momento. valer a pena o caminho que estamos a seguir é uma dúvida que me assola neste preciso momento, pois aquilo que nos assola é simplesmente ignorado ou rapidamente esquecido neste nosso mundo de cetim envelhecido e pequenino em que nos fechamos sempre que abrimos os olhos para um novo dia.
tenho ainda algo mais para fazer antes que termine o dia, vou ter de me concentrar nisso...
desculpem todos os que sofrem ou morreram. também sou pequenino...